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O baobá é símbolo de sabedoria para o povo africano. A árvore vive mais de três mil anos e o seu cultivo depende do trabalho coletivo de várias gerações, criando e fortalecendo a memória coletiva ligada ao território. Preservando essa forte tradição, a Rota dos Baobás deu continuidade, nos dias 7 e 8 de dezembro, à conexão entre os povos de Mururata, na Bolívia, e da Comunidade Quilombola Cafundó (SP). O encontro é promovido pela Rede Mocambos e tem o objetivo de fortalecer a relação dos quilombos e povos originários entre si e com o território.

Foram dois dias de intensa troca de experiências e vivências no interior de São Paulo. No primeiro dia da Rota, representantes da Rede Mocambos, Quilombo de Brotas, Quilombo do Carmo, Grupo Urucongos, entre outros, reuniram-se no Cafundó. Com rodas de conversa, capoeira, samba e bumbo animaram o encontro, a noite do dia 7 foi marcada pelo ritual de entrega de uma muda de baobá para a comunidade do Cafundó.

No dia seguinte, 8, os participantes desembarcaram na Casa de Cultura Tainã, em Campinas.  Para falar da Rede Mocambos, é preciso remeter ao Quilombo dos Palmares, um dos maiores símbolos da resistência negra em território brasileiro. Mocambos eram vilas autônomas integradas aos quilombos. Elas se comunicavam e se interligavam para defender seu território e sua história. Essa luta ainda se faz necessária hoje em dia, e a atuação da Rede Mocambos tem isso como objetivo.

Rede Mocambos e a baobáxia

Além de propor ferramentas de comunicação livres e independentes, a Rede busca promover sua própria infraestrutura de comunicação, desatrelada das que são ofertadas pelas empresas de telecomunicação. E aí entra a função da Baobáxia, uma espécie de servidor autônomo que interliga as comunidades quilombolas da Rede Mocambos. Adota como princípio básico e metodologia de trabalho os fundamentos do software livre, tanto na gestão das equipes de trabalho, quanto nas soluções tecnológicas que utiliza.

A Baobáxia visa levar as tecnologias da comunicação a lugares e pessoas que antes não tinham acesso a elas. Atualmente, existem cerca de 120 quilombos da Rede Mocambos com acesso a internet e mais 80 em processo de implementação de seus centros digitais. Porém, os que estão situados em regiões afastadas dos grandes centros urbanos ainda enfrentam dificuldades para acessar a rede.

Por meio da Baobáxia,  poderão criar um acervo digital de conteúdos textuais e audiovisuais, descentralizado e sincronizado periodicamente entre servidores locais nas comunidade. Assim, a circulação do conhecimento pode ocorrer também offline. A iniciativa é importante, já que a cultura negra e quilombola está dispersa e fragmentada, também no universo da internet. As produções culturais da comunidade também estarão nesse acervo.

Para TC Silva, sábio da matriz africana e articulador da cultura digital, a Rede firmou, em pouco mais de dez anos de existência, alguns convênios importantes com os Ministério das Comunicações e Cultura. “Começamos localmente porque não tínhamos pernas pra expandir. Hoje  podemos dizer que a Rede Mocambos está representada em mais de 20 estados do país e fora dele também, temos efetivado essa conexão a exemplo do que a gente vivenciou aqui na Rota com o povo de Mururata”, aponta.

TC ressalta a importância do conhecimento sobre as tecnologias africanas e salienta que é preciso ficar atento às falácias criadas para explicar o surgimento das tecnologias. “As tecnologias africanas contribuíram para a sobrevivência da humanidade. A tecnologia não nasceu aqui ou na Grécia. Tem outros fatores que foram negados, muitas apropriações de saberes. Inventaram a lógica das patentes, do acúmulo de poder, de domínio e essas lógicas não respeitam as histórias verdadeiras, elas constróem histórias de acordo com a sua convicção. Criam deuses, demônios, todo tipo de falsidade para dominar”, defende.

O trabalho da Rede Mocambos já viabilizou o contato entre diversas comunidades quilombolas por meio de tecnologias da comunicação. Para TC, água, terra e informação são os pontos fundamentais para que haja autonomia e liberdade para esse povos. Vince, também da Rede Mocambos, reforça essa ideia. “A gente está nessa luta pra tentar melhorar a comunicação, a apropriação de tecnologias para uma comunicação mais humana. Nesse ponto,  a gente tem mais uma vez como referência o Baobá”, diz.

Em 2014, outras Rotas do Baobá estão previstas para acontecer pelo Brasil afora. O Laboratório de Cultura Digital segue apoiando a Rede Mocambos com o objetivo de contribuir para o fortalecimento da tradição e da autonomia dos povos e de sua cultura.