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Núria Pons Vilardell Camas é Doutora em Educação na área de Tecnologias e Educação. Também coordena o projeto “Cultura Digital e Formação de Professores” e atua no campo de pesquisa sobre Cultura Digital e Educação – Letramentos da Informação. Em entrevista à equipe do Lab, a coordenadora-geral do Laboratório de Cultura Digital falou sobre a idealização do projeto, a importância dele para a Universidade e para a sociedade, e também sobre os planos para 2014. Confira:

Como o Lab foi idealizado?

Núria: Eu estava na UFPR e chegaram o João Paulo Mehl e o Érico Massoli dizendo que tinham um projeto e queriam conversar comigo. Na ocasião, eles mostraram o que era esse projeto de Cultura Digital para os Pontos de Cultura em princípio do Paraná. Achei estupendo, porque as pessoas geralmente não conseguem fazer esse elo entre a Cultura e a Educação, ainda mais com a Cultura Digital. São poucas as pessoas que entendem dentro do âmbito social e educacional o que são essas tecnologias e como podemos usá-las a serviço de todos nós. Daí nós começamos a conversar, ler, fazer e refazer. Finalmente surgiu o projeto: Laboratório de Cultura Digital. Passamos a ideia para o papel e encaminhamos a todas as instâncias da Universidade e para o Ministério da Cultura (Minc), porque só temos o Lab graças ao Ministério da Cultura. Fomos para Brasília, conversamos com os responsáveis pelos Pontos de Cultura e, a princípio, recebemos três objetivos de entrega. Mas quando nós começamos a lidar com um projeto desse tamanho, nossos objetivos acabam se tornando algo muito maior. A gente pensa: não podemos fazer só o local. Em termos de UFPR, pensamos em mapear os pontos que nós temos aqui dentro, os pontos institucionais, mas isso é muito pouco, porque esses pontos sempre têm um elo com os de fora. Nós temos o Brasil, nós temos uma América. Pode até parecer uma coisa grande demais, mas é esse o nosso diferencial: a gente pretende educar pra entender o que são Pontos de Cultura, educar para se apropriar e empoderar as pessoas das tecnologias, e aí entra o ato de educar para desenvolvimento sustentável, educar para você se sentir presente na sua época.

Esse é o objetivo do Lab?

Núria: Esse objetivo que a gente tem que entregar acaba até sendo pequeno perto do poder do Lab, porque se o Lab parar aí, em um projeto só entregue, ele não mudou nada. O objetivo do Lab é que se dê continuidade, que as pessoas entendam, utilizem e dialoguem por meio de ferramentas digitais, que elas aprendam por meio de ferramentas digitais desenvolvidas pela equipe do Lab que são bolsistas, estudantes, pessoas de várias etnias, várias nacionalidades e experts em várias áreas e que estão com um único objetivo: produzir um encontro que caminhe para frente, um encontro de jovens que vão fazer esse país, entendendo a cultura do nosso país por meio da educação. Esse é um objetivo muito grandioso, que até chega a dar medo, mas a gente vai caminhar pra isso e é por esse motivo que a gente não vê o fim do Lab agora. O Lab é muito interessante porque ele tem efervescência na criação sem esquecer o objetivo coletivo e sem deixar de pensar no plajenamento futuro. A gente tá conseguindo viver essa experiênncia de troca por meio de redes.

Qual é a importância dessas redes?

Núria: O futuro vai dizer isso. A importância vai se dar como consequência. O que a gente pode afirmar hoje é: eu não trabalho sozinha e meu conhecimento não é fragmentado. Meu conhecimento tem que dar entrada e continuidade no seu, e do seu vir pra mim, e nós temos que nos respeitarmos não pela troca apenas financeira. Claro que o recurso econômico é importante para todos vivermos, mas esse recurso advém justamente porque eu consigo entender a não fragmentação das coisas. Nós vivemos uma era em que o conhecimento era fragmentado e a universidade ainda vive isso. E é um ponto de evolução para a Universidade. Enquanto ela não evoluir nesse sentido de dizer “”Eu não sou meu gabinete, com meus livros e artigos publicados, mas eu sou o que esse mundo é e eu tenho que entendê-lo para me entender”

Nesse sentido, a relação da UFPR com o Lab ajuda nessa evolução da universidade, não?

Núria: A UFPR é minha casa. Ela me oportuniza mostrar isso. Se eu posso daqui da UFPR me comunicar com alguém de Aracaju, Buenos Aires ou na Unila, posso também causar o efeito da colaboração, da cooperação, do trabalho em conjunto. E se eu observo nessa rede o que tem a capacidade de produzir a mais do que apenas o contato, daí vem a educação popular. Nós estamos trabalhando com Pontos de Cultura, e eles têm necessidades específicas. Uma delas é a educação. A educação que empodera essas pessoas para que elas possam continuar produzindo dentro dos seus Pontos, dos seus centros, comunidades, na mesma igualdade. Então, esse é o ponto crucial e o Lab tem nos ensinado isso. Quando eu posso abraçar alguém do quilombo e dizer: “você é importante porque estou aprendendo com você” e a pessoa fala  “e eu com você” e ambos se agradecem, eu começo a produzir essa rede, que vai se costurando e os nós dela não são fragmentos, são nós de intersecção que  dependem uns dos outros. Nós vivemos num país de dimensão continental. Nós temos pessoas de todos os países que vieram pra cá. Nós não somos diferentes porque somos pobres, ricos, doutores ou analfabetos. Mas eu não sou doutora enquanto existir um analfabeto. Eu não sou doutora enquanto tiver um analfabeto que precisa estar no mesmo patamar de igualdade. É uma responsabilidade social que nós temos, e o Lab nos ajuda a compreender isso. Nós tínhamos isso na teoria. Mas com o Lab a gente consegue entender que aquela pessoa pode sim aprender, desenvolver seu Ponto de Cultura, mostrá-lo ao mundo e ele tem uma ferramenta para isso. Ou seja, a ferramenta não é mais uma coisa estranha, ela vira parte dessa pessoa. O Lab tá propiciando isso: um conhecimento, um reconhecimento, uma releitura, uma nova leitura da autoria, da coautoria e da participação.

Por que esse debate é importante?

Núria: Porque se não fizermos ele agora, provavelmente nós vamos permanecer novamente escravos da nossa própria história. Vocês são jovens, têm um país a fazer. Acho que o mínimo que podemos fazer é dar caminhos pra vocês construírem um país melhor do que o que estamos deixando pra vocês. A minha geração teve que bater em todos os pontos pra fazer alguma coisa e não conseguiu. Vocês têm que ter pelo menos um caminho melhor para não pegar as crises que estamos vivendo. Minha geração foi educada com a lógica do castigo, que se perpetua até hoje. Já a avaliação não nos castiga, ela nos ensina a ir pra frente. Se eu paro na minha avaliação negativa, eu pouco vou fazer. Nós temos uma população que por causa de um erro histórico ela parou. E nós temos que construir a mais. E o Lab potencializa isso. É mostrar para os jovens que o erro só existe para nos ensinar, não pra nos castigar. E é mostrar para aquela pessoa que pode ter pouca perspectiva , que nós que erramos, não foi ela que errou. E o meu erro tem que ser a construção dele. O Lab potencializa isso quando descobrimos a possibilidade de nos reeducarmos e educarmos as pessoas, mostrar a elas o valor que elas têm. O Lab mostra isso pra gente. Mesmo na loucura da nossa produção, no momento em que a gente para e respira, nós pensamos: nossa, quanta coisa que eu posso fazer por essas pessoas sabendo que elas vão multiplicar isso. Quando nós falamos de uma população do tamanho da nossa, é preciso saber que não daremos conta de ir pra Belém, por exemplo, e educar todo mundo. Mas daremos conta de ter uma parcela que vai poder multiplicar, e temos que acreditar nisso. É por isso que o Lab não para nele mesmo.

E quais são os planos para 2014?

Núria: Os planos são grandes. Dentro da nossa avaliação, observamos que estamos no final de um projeto extremamente curto, mas com muito potencial e que nos levou a enxergar o que talvez não soubéssemos. Pro ano que vem, queremos desenvolver um planejamento que evolua no sentido de  reformular nossas redes, que crie novas redes e crie relações entre pontos não só de cultura, mas de contato entre outras áreas que dialogam com o mesmo ideal. Temos ainda alguns desafios e perguntas. Qual diálogo temos que criar para sermos entendidos por pessoas das mais diversas áreas? Como projetar nas pessoas olhares diferentes sobre a educação e cultura? O que falta produzirmos dentro da própria universidade para que ela dialogue mais com a população e  entenda as suas necessidades? Esse é meu sonho, meu sonho de educação universitária. E é essa população que eu tenho que atingir enquanto formadora. É pra eles que temos que dar condições. Conhecer a realidade do Brasil, mapear esse país, como estamos fazendo, nos dá um olhar não de tristeza, mas de humanidade e de esperança.