Mário Messagi Júnior é doutor em Ciências da Comunicação e professor do Departamento de Comunicação da UFPR desde 1997. Coordenador Pedagógico de Comunicação do Laboratório de Cultura Digital, Messagi fala, nessa entrevista, sobre como surgiu o projeto, desde as demandas antigas dos Pontos de Cultura e dos atores envolvidos no cenário cultural até as perspectivas que esses novos tipos de organização podem trazer. Aponta ainda os planos para o futuro e as diversas possíveis implicações do Lab na sociedade.

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Como surgiu o Lab e como você acabou se relacionando com isso?

Mário: A equipe que está tocando o Lab, advinda em grande parte do Soylocoporti e da Ethymos, já está trabalhando há muito tempo nessas duas áreas: soluções sociais e software livre. O projeto não surgiu com o Lab. O Laboratório é uma materialização institucional de um trabalho que vem sendo feito há muito tempo, muitos anos. É o governo utilizando soluções que foram gestadas para as áreas de cultura digital e democracia digital, mas que não foram criadas a partir desse governo. Elas têm um histórico muito maior que isso.

Como o projeto se vinculou à UFPR?

Mário: Primeiro que eu já conhecia alguns dos profissionais que estão dentro do projeto. Segundo porque é um projeto que envolve, necessariamente, a área de comunicação, a área de democracia deliberativa digital. Acho que isso tudo contribuiu: essa aproximação temática, conhecer as pessoas, conhecer o trabalho e já ter ido buscar aquele grupo de pessoas para tentar incorporar algumas soluções dentro da própria universidade. Já havia discutido com eles o uso de algumas ferramentas, como o Delibera, dentro dos processos decisórios da universidade. Acho que essa relação fez com que eles me procurassem pra ser uma das partes da coordenação, pela Universidade Federal do Paraná.

E o que o Lab tem a oferecer para a universidade?

Mário: A universidade tem um papel social. Na medida em que ela está em um projeto que ajuda a fornecer ferramentas digitais e a mapear o que é gerado pelos Pontos de Cultura, ela responde a uma responsabilidade que lhe é imputada: produzir resultados para a sociedade. Não apenas formando os alunos, mas também se relacionando com a comunidade e pensando os problemas que existem na sociedade. Havia uma ação imensa, feita pelos Pontos de Cultura, que demandava respaldo, demandava um projeto como esse, que desse suporte e resolvesse problemas. A universidade tem mais do que a obrigação de apoiar esse tipo de projeto. Para a universidade, dentro daquilo que está no escopo do Lab, há um conjunto de contrapartidas: na utilização da ferramenta Rede Livre para alguns processos internos da universidade, como o projeto de elaboração do novo estatuto da UFPR; também um mapeamento da cultura que é produzida pelos alunos, pela comunidade acadêmica, não apenas a cultura que está restrita aos artistas organizados em cursos de artes, de música ou nos grupos culturais da UFPR, mas sim da produção cultural de todos que vivem a UFPR. Além disso, é possível por meio da plataforma realizar um mapeamento do ponto de vista acadêmico. De modo geral, essas soluções interferem nos processos da sociedade e devem ser pensadas e tomadas como experiências do conhecimento produzido também na academia para resolver problemas sociais.

Qual é a importância desse debate sobre articulação em redes?

Mário: Articulação em rede não é algo desenvolvido exclusivamente pelas tecnologias digitais, ela já existia antes. Mas é evidente que, com as tecnologias digitais, a organização em rede ganha um instrumento que expande vigorosamente a sua capacidade de ação. Hoje isso é muito mais claro. Vou dar um exemplo. Fiz uma pesquisa com a juventude de Curitiba e um dos pontos era se essa população havia participado de manifestações antes de junho: a grande maioria não havia participado de manifestação alguma. Dos que participaram, a maior parte foi pras ruas em manifestações de movimentos sociais. 2,9% dos jovens participaram de algum tipo de manifestação sindical. Isso é um sinal muito claro de que o movimento sindical vive uma crise profunda. Ele se organiza de uma outra forma, de uma forma mais vertical, está muito mais institucionalizado e isso foi um processo que se intensificou. Hoje, o movimento sindical enfrenta uma outra forma de organização dos movimentos sociais e da sociedade. Já o Lab está na ponta dessas novas formas de organização. Se a sociedade está se articulando de formas diferentes do que fazia antes, e está, isso se reflete — e se refletiu em junho e em várias formas de organização  — não só em pensar ou em inserir, mas em produzir ferramentas e soluções para que os diversos atores sociais se conectem em redes. Quem não entender o que está acontecendo nessa nova forma de articular, de coletivos, de núcleos, não vai entender as novas formas de organização sociais.

Pra você essa articulação em rede é o futuro dos movimentos?

Mário: Eu não sei se é o futuro, porque ao dizer isso parece que não existe outra forma. Mas é inevitável que hoje os movimentos sociais, mesmo os que se organizam de uma outra de forma, tenham que correr atrás e prestar atenção a essas outras maneiras de se constituir politicamente, correndo o risco de tornarem-se caducos, obsoletos, velhos ao não entender o que está acontecendo, ao se distanciarem da juventude. Distanciamento da juventude não é uma retórica: qualquer movimento que queira se reproduzir tem que ter uma preocupação com a sua juventude, com novos militantes, com renovação na militância. Hoje, o movimento sindical corre o risco de ter os seus militantes envelhecendo, em média, um ano a cada ano que passa, correndo o risco de não renovar os seus quadros. Os novos movimentos sociais ou os antigos não podem mais ignorar isso, têm que entender e se relacionar. Eles têm que, inclusive, mencionar suas táticas, adotar práticas mais horizontalizadas. Não é só uma questão de incorporar tecnologias digitais, mas também tecnologias sociais.

E qual é a importância desse debate sobre autoria, co-autoria, representação e horizontalidade?

Mário: Tudo isso é muito importante. As novas organizações são mais horizontais, as antigas são mais verticais. Os processos de construção colaborativas são menos autorais, muito menos controlados por uma liderança. Acho que a liderança dos processos hoje não é mais uma liderança de conteúdo, alguém que representa uma posição, uma vanguarda política, um orientador das massas. A nova liderança é o sujeito que organiza o processo, que permite que algo aconteça. Mas ele não tem mais o controle do contéudo que essa organização vai tomar como bandeira. Essas formas de articulação distintas — estou dizendo isso aqui, mas é um processo ainda em desenvolvimento, que estamos entendendo — são fundamentais para que os antigos movimentos sociais compreendam-as , não para se apoderar delas como instrumentos, mas para conseguir dialogar. Instrumentalizar, nesse caso, pode ser um grande erro político.

E qual é o futuro do Lab e os planos para 2014?

Mário: Acho que o projeto começou, agora em 2013, com um período bastante curto para realizar um conjunto de ações. Em 2014, com uma parceria renovada com o governo federal e com a universidade, acho que é possível produzir nessa mesma intensidade, mas com um pouco mais de tempo, um cronograma mais ajustado. O projeto tem que continuar e tende a crescer. Espero que 2014 propicie um grande projeto, como vem sendo em 2013.