Apesar do lobby das empresas de telecomunicações, a internet deve permanecer livre

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 A neutralidade, privacidade e liberdade de expressão na internet estão em jogo e, com elas, o tipo de sociabilidade e interação que teremos na rede nos próximos anos. A expectativa é de que a votação da “Constituição da Internet” ocorra amanhã (19). O projeto de lei, colocado em regime de urgência após os escândalos da espionagem estadunidense, encontra-se parado na Câmara devido ao lobby das empresas de telecomunicação, representadas no Congresso, em especial, pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ).

As teles discordaram da redação final apresentada pelo relator do projeto, o deputado Alessandro Molon (PT/RJ). A principal preocupação delas é a incompatibilidade entre o princípio de neutralidade de rede e o modelo de negócios que defendem – o qual criaria verdadeiros pedágios para navegar na internet no país.

Para Pedro Ekman, membro do Intervozes, esse embate deixa claro o choque entre os interesses das grandes multinacionais e os dos cidadãos. “O modelo proposto pelas teles é muito semelhante ao monopólio que temos hoje na radiodifusão [tv e rádios abertas]. Sem a neutralidade na rede, poucas organizações vão deliberar sobre os conteúdos e o futuro da internet, desrespeitando o direito ao acesso a conteúdos e à informação”, afirma.

Sem “pedágios”

Garantir uma internet neutra é impedir que as operadoras de telecomunicação bloqueiem ou interfiram na escolha de conteúdos ou aplicativos do internauta. A neutralidade na rede é crucial para que todos tenham acesso à internet sem restrições de velocidade e conteúdo. A inexistência desse tipo de barreira é uma condição para que, de fato, a rede seja livre.

No entanto, o objetivo dessas corporações comerciais é criar “pedágios” na internet. Em outras palavras, o acesso a determinados tipos de conteúdos seria tarifado de modo diferenciado, criando diferentes condições de navegação de acordo com o valor pago pelos internautas. Em um pacote básico, seria possível, por exemplo, apenas ler emails, mas não assistir vídeos. Hoje tal discriminação não ocorre – há apenas diferença na velocidade de acesso, mas não no tipo de conteúdo.

Para a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Veridiana Alimonti, se a aprovação do Marco Civil da Internet seguir o atual relatório, será possível barrar esse tipo de discriminação  “A inovação na rede será garantida. As teles não poderão cercear ou bloquear esse fluxo de boas ideias por meio de sanções econômicas ou políticas”, ressalta.

O texto do Marco Civil da Internet foi construído em consulta pública inédita na rede, iniciado ainda em 2009 e tendo recebido mais de 2000 contribuições envolvendo academia, governo, empresas, entidades e movimentos civis. Na opinião de Ekman, o projeto proposto por Molon conseguiu melhorar a versão feita pela sociedade civil no que diz respeito à definição de  neutralidade. “Se não tivéssemos termos detalhados e bem definidos sobre as formas de respeito à neutralidade na internet, outro órgão poderia ficar encarregado de definí-las. Ou seja, na prática, poderíamos não ter neutralidade na rede”, afirma.

Privacidade na rede

O artigo 3o do Marco Civil da Internet garante a disciplina no uso da internet no Brasil a partir da proteção da privacidade e dos dados pessoais. O projeto de lei impede que as teles guardem os dados de navegação do usuário (os sites pelos quais ele passou). Caso isso fosse feito, mais uma vez os interesses comerciais seriam mais importantes que direitos constitucionais: privacidade e intimidade. Combater essa prática de espionagem também é objetivo do Marco.

Veridiana explica que, atualmente, as teles não têm o registro das aplicações (dados sobre a navegação na rede), apenas os de conexão. “Os sites conseguem saber o que você usou, mas as teles não. Para elas, isso não é vantajoso, porque não conseguem mapear os interesses dos usuários”, diz. Esse mapeamento proporcionaria às teles a criação de estratégias de publicidade comportamental em parceria com as empresas anunciantes.

O Marco Civil assegura o direito de privacidade ao cidadão ao definir que o provedor de internet terá os registros de conexão (Internet Protocol, IP) pelo período de um ano e protegidos por uma política transparente de gestão. Esses dados só poderão ser guardados por mais de um ano mediante decisão judicial relacionada a uma investigação criminal.  Já os registros de acesso (sites, blogs, rede social) não poderão ser guardados pelas teles em nenhuma hipótese.

Ekman lembra que as teles tentaram encontrar trechos do Marco Civil que entrassem em confronto com organizações investigativas (Ministério Público e Polícia Federal), mas não conseguiram. “É válido lembrar que, em nome dos crimes da internet, não podemos quebrar absolutamente a privacidade da rede e dos usuários”, ressalta. Conforme ele explica, o Marco Civil não trata de crimes na rede. Ele é uma regra geral que, posteriormente, criará condições para facilitar o debate em torno da definição de condutas danosas praticadas na Internet e que mereçam ser punidas penalmente.

Amigos do Marco X Inimigos do Marco

Enquanto a votação do Marco não acontece e para pressionar a Câmara, entidades de defesa do direito à comunicação e liberdade de expressão criaram uma campanha para mapear os parlamentares que são “amigos do Marco” e os que são “inimigos do Marco”. Para Ekman, esse é um momento estratégico para essa campanha, já que 2014 é ano eleitoral. “A ideia é cobrar publicamente dos deputados uma explicação sobre as posições tomadas em relação ao futuro da internet”, aponta.

Expectativa

“O cenário nunca foi tão favorável”, é o que diz Pedro Ekman. Para ele, os casos de espionagem pelos EUA e o modo como as operadoras de telecomunicação defendem seus interesses milionários estão fazendo o debate aparecer de maneira mais concreta. “Temos que aproveitar esse momento e pressionar o Congresso. Eles não podem mais fingir que o Marco não existe e as teles não podem conseguir adiar mais uma vez essa votação”, diz.

Para Veridiana, apesar das teles estarem isoladas nesse debate, não se pode desprezar a influência e os porta-vozes que elas têm na Câmara. Ela também defende que a votação não pode mais ser adiada. “Ao que parece, estamos encaminhando essa votação e a sociedade civil está organizada para que o Marco, depois de aprovado, seja mantido e respeitado”, prevê.

Informações sobre a campanha pelo Marco Civil da Internet podem ser consultadas aqui.